:: A Globo desrespeita o conceito de fonte

Wilson da Costa Bueno*

      Se você acompanha, com alguma regularidade, a programação jornalística da Globo, deve ter percebido, inúmeras vezes, que fontes empresariais costumam aparecer nos telejornais da rede sem que seu nome e vínculo a uma organização estejam devidamentes identificados. Aparece alguém dando uma opinião , emitindo um comentário, e , nas legendas, surge apenas "diretor de uma empresa de bebidas, de cosméticos , de alimentos etc". A fonte, não tem nome e não tem crédito, o que, segundo as normas básicas do Jornalismo, se constitui numa aberração.
      Evidentemente, a Globo tem uma explicação para esse equívoco: "como se trata de um programa jornalístico, identificar a fonte (sobretudo uma empresa) significa fazer propaganda gratuita." Logo, não se permite que isso aconteça na "casa". Pode parecer, para quem não gosta de pensar ou acredita nesta lorota, que faz sentido.
      Mas não faz qualquer sentido. Por vários motivos.
      Em primeiro lugar, não precisa ter frequentado os bancos de uma universidade (ou de um curso de Jornalismo, em particular) para saber que toda fonte tem seu compromisso e de que a fala de alguém (sua opinião, comentário, constatação) está associada à sua perspectiva sobre aquele tema ou assunto em particular.. Faz ( e muita diferença, bota diferença nisso!) saber se a fonte de um determinado segmento (bebidas, alimentos ou siderurgia) é de tal ou qual empresa. A opinião de um executivo da Sadia tem um vínculo com a inserção da Sadia no mercado e, para um mesmo tema (não é óbvio isso?), empresas distintas têm perspectivas distintas. Ou a Globo imagina que, para todos os temas, ouvir a Sadia é o mesmo que ouvir a Perdigão? Por exemplo, para ficar só num tema que diz respeito à televisão brasileira (para ver se a Globo se convence disso), a corrida ao BNDEs para buscar recursos para pagar o rombo da incompetência dos empresários da comunicação tem o apoio (o lobby, pra ser mais exato) da Globo (que tem uma dívida estimada em 5 bilhões de reais), mas não, da Record ou da Rede TV!. Por esta divergência, as duas emissoras, inclusive, se desligaram da ABERT. Ou seja, se um executivo de uma dessas emissoras aparecer na telinha, dando opinião sobre este tema, será fundamental saber que televisão ele está representando, porque este vínculo condiciona a sua declaração. Não é razoável, não é inteligente, tomar a declaração de uma fonte em particular como representante do segmento como um todo. A Globo ignora isso.
      Em segundo lugar, porque é preciso ter coerência nessa questão que envolve o embate entre informação e propaganda. A Globo acha legítimo inserir merchandising nas novelas, tentando driblar a vigilância do telespectador e julga ético invadir as nossas casas com informações comerciais disfarçadas de jornalismo. A Globo acha também normal sonegar informações relevantes para o seu público (alguém se lembra do boicote da emissora ao Campeonato Mundial de Clubes, realizado no Brasil, e vencido pelo Corinthians, só porque era a Band que transmitia o torneio?) porque, na sua perspectiva jornalística e comercial, só é importante o que a Globo promove e transmite. A Globo julga oportuno , como fez na comemoração dos 450 anos de São Paulo, dar ampla visibilidade à prefeita Marta Suplicy (opa, nada contra a Marta, hein?) e até ao seu filho Supla, apenas porque foi aquinhoada com a maior parte da verba de divulgação da festa paulista. A Globo promove políticos que falam bem dela porque gosta de ouvir elogios, ainda que hipócritas.
      Em terceiro lugar, a Globo tem dois pesos e duas medidas para a identificação das fontes. Ela não age da mesma forma, quando se trata de notícias negativas. Se uma empresa é acusada (o que dizer, quando a Globo investe no "linchamento moral" de pessoas e organizações que a contrariam?), a Globo não deixa de enunciar precisamente a fonte. Ou seja, expor as organizações ao ridículo pode, mas promover boas iniciativas ou respeitar a fonte que ilustra a matéria, não pode.
      No fundo, fica a impressão (impressão?) de que a Globo quer constranger todo mundo a depositar no seu caixa (quer aparecer na Globo, tem que pagar!) e que se apropria das fontes (e das suas falas, comentários etc) quando lhe convém. Não sabe separar fonte jornalística de ação comercial, porque, certamente, não tem isso muito nítido, porque não faz parte da cultura da empresa.
      A responsabilidade social da mídia se mede , também, pelo respeito que ela tem de seus parceiros (ou as fontes não são parceiros, enquanto participantes de suas matérias jornalísticas?) e da opinião pública (que fica privada de julgar a pertinência ou a relevância do que ouve ou vê porque falta o crédito , ou seja, a identificação precisa da fonte).
      O manual de Jornalismo da Globo deve ter se inspirado em alguma norma específica, produzida pelo apetite doentio de faturar, a qualquer custo, sem respeitar ao menos aqueles que contribuem para moldar os seus conteúdos jornalísticos.
      A nós, causa indignação o desfilar de fontes anônimas nos telejornais da Globo. Pelo menos, na programação jornalística, a gente esperava que a "emissora grande" esquecesse um pouco a sua voracidade comercial. Do jeito que a coisa vai, talvez, um dia (estará longe?), a Globo estará comercializando, nos telejornais, o espaço das fontes, ou seja, quem quer aparecer como fonte nas matérias vai ter pagar. Ou a Marta Suplicy teria aquele destaque, em janeiro, durante a festa dos 450 anos, se não tivesse enchido o cofre da Globo?
      O jornalismo da Globo precisa rever esta decisão. Certamente, não o fará, porque a humildade não costuma integrar a cultura de uma organização que exerce o monopólio. Espera-se, ao menos, uma reação das fontes, que acabam sendo transformadas em bocas e caras anônimas nos telejornais da rede Globo. A não identificação das fontes é um desrespeito ao bom jornalismo. Mas é essa a preocupação da Globo?

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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