:: Marketing Alcóolico da Bacardi. Um case de marketing de drogas ou uma droga de marketing?

Wilson da Costa Bueno*

      A revista Exame, uma das mais conceituadas publicações de negócios do País, em sua edição de 10 de julho de 2002, páginas 81 e 82, na coluna Gestão Esperta, editada por Cynthia Rosenburg, com texto assinado por Daniela Diniz, relata um case muito sugestivo.
      A Bacardi recrutou 35 universitários, estudantes de comunicação, de 19 a 23 anos, que a procuraram em busca de um estágio, para trabalhar como "marqueteiros" (a expressão está na revista e não é invenção desse colunista). Objetivo: aumentar a participação da empresa em bares e danceterias, especificamente do produto Bacardi Breezer, uma espécie de soda alcoólica. A estratégia descrita por Daniel Goldfinger, gerente da Bacardi, "era que fizessem uma lavagem cerebral até o cliente aceitar o produto" (página 82 da revista), com a cumplicidade dos proprietários das casas noturnas ("eles estudam a casa e criam estratégias que geram um reflexo direto no caixa", justifica um deles). Mas o trabalho não se resumiu a este ambiente, mas, como explica a revista, se estendeu para "a inclusão da bebida em festas universitárias. Eles promovem eventos durante a festa para que os estudantes, além de se divertir, consumam a bebida" e têm até uma promoção: "a quarta bebida por conta". E contabilizam recordes: Maria Fernanda de Mattos, de 22 anos, vendeu 620 caixas numa festa universitária e já foi promovida a trainee, com direito a "carro da empresa para trabalhar e um rádio para se comunicar com os colegas".
      A lição de marketing da Bacardi, que inclui lavagem cerebral de cliente e estímulo ao consumo de álcool entre os jovens, mostra que muitas empresas ainda estão distantes da chamada responsabilidade social, pregada a 4 ventos até porquem comete os maiores exageros em nome do lucro. Na verdade, é estranho que a revista Exame tenha propalado o case, sem qualquer espírito crítico, aderindo à tese de que guerra é guerra, não há princípios a preservar.
      Há duas preocupações a ressaltar: 1) que o case sirva de estímulo para outras empresas, atraídas pelo espaço oferecido pela Exame para um exemplo tão danoso de marketing (na verdade, nem é novidade porque os traficantes de drogas já usam essa estratégia há muito tempo!) e 2) que a Bacardi, que não fica vermelha de confessar lavagem cerebral de cliente e estímulo ao consumo de álcool entre os jovens, possa se sentir nas nuvens e concorrer a um prêmio de marketing por isso. Que tal algum dos oferecidos pelo Instituto Ethos ou o Prêmio ADVB de Responsabilidade Social? Bacardi, a empresa cidadã. Que tal a Bacardi se entender com a Souza Cruz e realizarem, juntas, uma promoção que contemple jovens que fumem bastante com bebida e jovens que bebam bastante com maços de cigarros? Quem sabe, se os resultados forem muito bons, a revista Exame não lhes dedica uma matéria de capa?
      Um alerta aos responsáveis pelas nossas instituições universitárias: tem gente faturando à custa da saúde dos universitários. Vamos nos livrar deste marketing do pileque?

OMS reage ao marketing da indústria do álcool

      Dois fatos recentes servem para revelar o "perigoso" case de marketing da Bacardi.
      Em maio, a OMS - Organização Mundial da Saúde promoveu uma reunião, em que estiveram presentes cerca de 50 pessoas (profissionais de marketing, especialistas em saúde pública e interessados na prevenção de abuso de bebidas alcoólicas, entre outras substâncias nocivas) de 22 países. Dessa reunião, resultou um documento que recomendava (ver matéria publicada no excelente jornal Voz do Paraná - www.vozdoparana.com.br - em 11 de julho de 2002 , páginas 6 e 7, assinada pela Abead - Associação Brasileira do Estudo do Álcool e Outras Drogas, AMB - Associação Médica Brasileira, Senad - Secretaria Nacional Antidrogas e Associação Brasileira de Psquiatria , Departamento de Dependência Química ), entre outras coisas:

"1) Tendo em conta os danos inerentes à exposição dos jovens ao marketing do álcool e o fracasso geral da indústria do álcool para limitar o marketing voltado aos jovens, recomenda-se que os países adotem medidas regulatórias e legislativas necessárias para assegurar que os jovens não sejam expostos às mensagens publicitárias sobre o álcool;
2) Tendo em conta que a indústria do álcool alcançou um alto nível de sofisticação na utilização dos meios de comunicação para atrair e estimular os jovens a consumir bebidas alcoólicas, recomenda-se que os países aumentem a conscientização sobre essas técnicas e como desenvolver as melhores técnicas nos programas de assessoria aos meios de comunicação e contrapropaganda, assim como que estas práticas se implementem independentemente de interesses comerciais e com a participação e liderança dos próprios jovens.
3) Tendo em conta a importância das perspectivas dos jovens sobre este problema e a criatividade e conhecimento únicos que possuem sobre essa situação, recomenda-se que os jovens tenham um papel central no trabalho para liberar sua geração das ilusões criadas pelo marketing e as promoções associadas ao álcool".

      Os profissionais presentes à reunião estavam, pois, alarmados com a postura da "indústria do álcool que se vale cada vez de associar seu produtos com eventos esportivos, musicais e culturais, promoções baseadas na Internet e outros esforços para apresentar as bebidas alcoólicos como uma parte normal e integral das vidas e da cultura dos jovens" (Voz do Paraná, 11 de julho de 2002, página 6).
      É importante reportar-se, também, ao recente levantamento da Secretaria Nacional Antidrogas, divulgado no final de junho, que constatou que o álcool é a principal droga consumida pelos brasileiros, com uma conclusão assustadora: mais de 11% da nossda população é dependente do álcool.
      Se lembrarmos também que o consumo de álcool está fatalmente associado ao número de acidentes automobilísticos e ao consumo de outras drogas, visualizando, como público-alvo principal (no caso vítimas), o segmento jovem, poderemos facilmente aquilatar a "generosa" contribuição da Bacardi à sociedade brasileira, em particular à sua saúde.
      Esse comportamento cínico da empresa, propalado por um grande (e realmente importante) veículo de negócios brasileiro, deveria servir como um alerta para as autoridades no sentido de, uma vez por todas, aplicar às bebidas alcoólicas a mesma restrição que tem, gradativamente, imposto à propaganda/marketing do fumo.

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* Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e de Jornalismo da ECA/USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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