Responsabilidade Social

:: Histórias de pescador, contrabando de cigarros e responsabilidade social

Wilson da Costa Bueno*

      A mídia brasileira repercutiu, nos últimos dias, dois fatos de grande interesse, envolvendo duas empresas multinacionais de prestígio: a Shell e a Souza Cruz.
      A Shell, depois de comprometida no episódio de contaminação de inúmeras chácaras em Paulínia, na região de Campinas, agora se vê às voltas com a denúncia de que teria poluído área significativa da Vila Carioca, na zona sul da cidade de São Paulo.
      Os jornais da capital paulista, em particular a Folha de S. Paulo, têm dado grande destaque ao fato , já denunciado pela Promotoria do Meio Ambiente da cidade, há quase 10 anos, e confirmado até pela empresa contratada pela Shell (a CSD- Geolock) para avaliar o impacto ambiental da sua base de estocagem de combustíveis na Vila Carioca. (Ver Folha de S. Paulo, capa do caderno Folha Cotidiano, página C1, de 13 de maio de 2002).
      A Shell nega a existência de qualquer problema, apesar das evidências. Certamente, nos próximos dias, com a análise a ser feita pela CETESB, a responsabilidade ou não da Shell ficará definitivamente estabelecida.
      Embora a questão da poluição ambiental, caso confirmada, seja realmente grave (segundo a Folha de S. Paulo, no dia , caderno e página citados acima,"a base de estocagem da Shell na Vila Carioca é o cenário do que pode ser a maior contaminação ambiental da cidade de São Paulo"), o que nos interessa aqui é discutir a adequação da continuidade da campanha da Shell, promovendo a sua defesa do meio ambiente. Peça publicitária, que integra esta campanha, em que destaca a sua preocupação com o meio ambiente ("O desenvolvimento sustentável sempre fez parte das ações da Shell. Por isso, a Divisão de Exploração e Produção antes de implantar qualquer projeto, consulta agentes como o governo, parceiros, ONGs e comunidades locais para saber suas opiniões e trocar idéias...".), continua sendo veiculada em revistas de prestígio e outras peças, com o mesmo teor, podem ser vistas também na televisão.
      Num momento de crise - ou estar sob suspeita de ter causado a maior contaminação ambiental de uma megalópole não é prenúncio de crise séria? - vale a pena insistir no tema, expondo-se a chamar a atenção? E se a Justiça e os órgãos técnicos concluirem que a Shell contaminou a área, além dos limites de sua base de estocagem? Vale a pena ficar com a reputação manchada duas vezes: por ter poluído, irresponsavelmente, o meio ambiente e tentado contar outra história para a opinião pública?
      Evidentemente, a empresa deve estar apostando todas suas fichas na sua inocência, o que, para o bem dos moradores - 30 a 40 mil deles poderiam ter sido afetados - seria uma boa notícia. É esperar para ver.
      Já a Souza Cruz viveu, provavelmente, no último dia 8 de maio de 2002 o seu inferno astral. O jornal Valor Econômico, em matéria generosa - duas páginas - apresentou provas (documentos internos da empresa) de que ela se valeu do contrabando de cigarros nos anos 90. Diz o lead da matéria, publicada na página B6, com a retranca Empresas Especial: " A Souza Cruz usou com frequência o contrabando de cigarros na fronteira entre o Brasil e o Paraguai como um canal de distribuição para seus produtos, no início da década de 90. Ela aumentou suas exportações para o país vizinho com o objetivo de competir com cigarros falsificados e produtos de empresas concorrentes, que também entravam no Brasil pelas mãos de contrabandistas paraguaios."
      O jornal garante que teve acesso aos documentos que comprovam este fato, tornados públicos em virtude de processos judiciais contra a indústria tabagista nos EUA ( o jornal pública a íntegra dos principais documentos no seu site - http://www.valoronline.combr - e dá o endereço da base de dados que pesquisou na Internet - http://www.cctc.ca). Mais ainda: relaciona altos executivos da Souza Cruz com o episódio, alegando que eles tinham conhecimento de tudo.
      Novamente, ainda que seja de interesse dos cidadãos saber se a empresa utilizou procedimentos ilegais para conseguir vantagens no mercado, o que se questiona aqui é, se, em função desta denúncia, terá sido uma boa estratégia de comunicação da Souza Cruz insistir, naquele momento, em alardear sua posição contra o contrabando, chamando a atenção para o tema.
      Foi isso que aconteceu, com a publicação no mesmo dia, no Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, página A-12, de matéria assinada por uma repórter que viajou a convite da Souza Cruz, reafirmando a sua posição contra a ilegalidade (Dizia o lead da matéria: "O gerente de Projetos Especiais da Souza Cruz, Ralph Frank, declarou ontem que o combate ao contrabando de cigarros - responsável por uma evasão de impostos de R$1,3 bilhão no ano passado - é condição fundamental para que a empresa consiga atingir a capacidade máxima de produção de 45 bilhões de unidades anuais, até 2005".)
      O confronto das duas matérias, veiculadas no mesmo dia, traz um desconforto para quem teve a possibilidade de compará-las. É óbvio que a empresa sabia da matéria que o Valor Econômico estava preparando (o jornal informou na reportagem que denunciou o envolvimento da Souza Cruz com o contrabando que consultou a empresa, que negou o fato) e que tentou uma contra-informação (não se pode alegar coincidência, nesse caso, porque a pauta da matéria do Jornal do Commercio foi inspirada em convite da empresa, como está escrito no pé da matéria). Isso funciona? Exposto a estas duas versões, absolutamente contraditórias, em qual o leitor (e o formador de opinião) estará propenso a aceitar? A que traz apenas a voz da empresa ou aquela em que são listados documentos e informações substanciais? Vale a pena, nestes casos, partir para o confronto de posições? Será que uma empresa área divulgaria sua política de segurança, no momento ou logo após a queda de uma de suas aeronaves?
      Novamente, o futuro trará a resposta. De qualquer forma, a comunicação deve ser utilizada como estratégia de inteligência empresarial e não, como forma de escurecer os fatos. A opinião pública penaliza mais a empresa (pessoa, partido etc) que não assume os seus erros do que aquela que os reconhece e encaminha soluções para saná-los. Em nome da responsabilidade social e, sobretudo, da boa comunicação, esperamos que a Shell e a Souza Cruz estejam certas. Não as perdoaremos, caso tenham pisado na bola ( o que será fatal, às vésperas da Copa do Mundo).

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*Wilson da Costa Bueno é jornalista, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP e do curso de Jornalismo da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa.

 
 
 
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