Profª. Drª. Cicilia M. Krohling
Peruzzo*
Resumo
Trata-se de um estudo
que procura analisar o perfil atual das relações públicas
com a comunidade. Utiliza como quadro de referência as transformações
na sociedade, que acabam trazendo uma revalorização de princípios
de responsabilidade social das empresas. Empresas, privadas
e públicas, passam a desenvolver uma série de programas
de cunho social tendo como base estratégias de marketing
voltadas para o futuro, mas altamente centradas no interesse
imediato de corresponder as expectativas e anseios do mercado
consumidor. Apresentamos também uma breve análise de conceitos
de comunidade, público comunitário e de responsabilidade
social, além de discutirmos as diferenças entre programas
compromissados com a realidade social e aqueles mais preocupados
em pintarem-se de verde ou de comunitário.
Introdução
Relações Públicas
com a Comunidade, apesar de não ser um tema recente,
nem encontrar posição de destaque na bibliografia da área,
tem se tornado um assunto de interesse de muitos estudantes
e profissionais de relações públicas. O motivo é facilmente
detectado: o interesse pelo tema e a implantação de programas
de cunho social por um crescente número de empresas.
Procuramos analisar
alguns conceitos e as mudanças pelas quais vem passando
a sociedade que trazem em seu interior uma revalorização
dos princípios de uma nova ética empresarial.
Para a realização do
estudo valemo-nos de pesquisa bibliográfica, da observação
assistemática de experiências de programas de relações com
a comunidade e de análise de dados disponibilizados na Internet.
Mas, os resultados sistematizados são ainda parciais e fazem
parte de um estudo mais amplo em curso.
Revisitando conceitos de comunidade
Antes de mais nada
esclarecemos que existem diferenças significativas entre
Relações Públicas Comunitárias e Relações Públicas
com a Comunidade. Na nossa perspectiva de abordagem,
entendemos as primeiras como aquelas que dizem respeito
as relações públicas que se estabelecem no âmbito das associações
e organizações comunitárias, das Organizações Não Governamentais,
organizações sem objetivos lucrativos. Enquanto Relações
Públicas com a Comunidade se caracterizam como as relações
que as instituições privadas ou públicas, estabelecem com
um dos seus públicos, denominado "comunidade".
No presente texto estaremos tratando da segunda perspectiva
no âmbito mais específico das organizações empresariais.
Ao leitor que não é
da área esclarecemos que Relações Públicas constituem-se
num conjunto de atividades que materializam o relacionamento
de uma organização com os seus públicos, mediante o uso
planejado de uma série de instrumentos e estratégias comunicacionais
. Elas devem ser tomadas como um dos alicerces de um processo
de comunicação integrada portanto interagindo com as áreas
de marketing, propaganda, promoção de vendas etc.
Desse modo cabe ao setor
de relações públicas cuidar do relacionamento da instituição
com a "comunidade".
Sob a ótica das Relações
Públicas "comunidade" é considerada como um dos
públicos das organizações, ao lado de vários outros tais
como os empregados, a imprensa, os fornecedores, os consumidores
etc.
Nessa área é plenamente
aceito que "comunidade significa o público que vive
onde a empresa se localiza. (...) Se a empresa se localiza
numa grande cidade, o conceito de comunidade deve restringir-se
ao bairro onde ela funciona. Se a cidade é pequena, a comunidade
da empresa pode ser a própria cidade" (Penteado, s/d,
p.59-60).
Alguns autores apontam
conceitos mais abrangentes. Canfield (1970, p.197) afirma:
"Comunidade é um grupo de pessoas que, por motivos
de trabalho, entretenimento, culto religioso, estudo ou
satisfações sociais, vive numa mesma área. A fim de satisfazer
suas necessidades básicas de vida material, espiritual e
social, as pessoas estabelecem, em cooperação com os seus
conterrâneos, instituições de serviço social".
Contudo, o termo comunidade
é usado indistintamente. Sociologicamente às vezes é empregado
como sinônimo de sociedade, de organização social, grupos
sociais, sistema social ou ainda para designar determinados
segmentos, tais como "comunidade universitária",
"comunidade negra", "comunidade religiosa"
ou ainda referindo-se a localidades geográficas de pequenas
proporções (bairro, vila, lugarejo). Mais recentemente agrega-se
a noção de "comunidades virtuais".
Pensadores, cujos estudos
sobre comunidade, são tidos como clássicos, apontam, cada
um à sua vez, características bastante rigorosas para que
determinado agrupamento social seja tomado como "comunidade",
muito embora não haja consenso entre os cientistas sociais
quanto à natureza de "comunidade".
Entre as várias definições
existentes citaremos apenas duas como forma de demonstrar
alguns dos elementos característicos nos referidos conceitos:
"Uma comunidade humana é um agregado de pessoas funcionalmente
relacionadas que vivem numa determinada localização geográfica,
em determinada época, partilham de uma cultura comum, estão
inseridas numa estrutura social e revelam uma consciência
de sua singularidade e identidade distinta como grupo"(
Mercer, 1986, p.229).
Em MacIver & Page
(1973, p.122) encontramos: Comunidade existe "onde
quer que os membros de qualquer grupo, pequeno ou grande,
vivam juntos de tal modo que partilham, não deste ou daquele
interesse, mas das condições básicas de uma vida em comum.(...)
O que caracteriza comunidade é que a vida de alguém pode
ser totalmente vivida dentro dela e todas as suas relações
sociais podem ser encontradas dentro dela". ...
De acordo com as definições
acima, além de agregar outras dimensões de comunidade de
outros pesquisadores, podemos inferir que a existência de
uma comunidade, numa visão de conjunto, pressupõe a existência
de determinadas condições básicas, tais como um processo
de relacionamento e interação intenso entre os seus membros,
auto-suficiência (todas as relações sociais podem ser satisfeitas
dentro da comunidade), cultura comum, objetivos comuns,
identidade natural e espontânea entre os interesses de seus
membros, consciência de suas singularidades identificativas,
participação ativa de seus membros na vida da comunidade,
além de configurar-se em um locus territorial específico
e limitado.
Contudo, esse último
aspecto vem sendo colocado à prova em função das possibilidades
de comunicação que a tecnologia oferece. Comunidade não
precisa mais limitar-se a espaços geográficos limitados
podendo estar cultivando e partilhando de interesses, identidades
etc. através de ondas, infovias ou redes telemáticas.
As "comunidades
virtuais" caracterizam-se como "um conjunto de
relações sociais unidas por interesses comuns ou circunstâncias
compartilhadas" (Michalsk,J.apud Finquelievich, 1998,
p.45).
É importante também
que fique claro que as características de comunidade encontradas
a partir dos clássicos configuram um tipo de comunidade
tão perfeita, que torna-se difícil de ser encontrada na
sociedade contemporânea, salvo em situações e lugares específicos.
Se de um lado isso é
verdadeiro, de outro acreditamos que alguma coisa temos
que aprender com os clássicos. Primeiro: comunidade não
pode ser tomada como qualquer coisa, como um aglomerado,
um bairro, grupo social, segmento social etc. Se não encontramos
todas as características de comunidade acima referidas,
pelo menos algumas delas devem estar presentes para que
exista uma comunidade. Alguns elementos, tais como interação,
participação, confluência em torno de interesses e algumas
identidades, sentimento de pertença, caráter cooperativo,
são imprescindíveis para que se caracteriza comunidade.
Também as "comunidades
virtuais" atuam tendo por base sentimentos de comunhão,
confiança e compromisso, responsabilidade e objetivos comuns,
conforme demonstra Suzana Finquelievich, 1998, p.45-46.
Segundo: é recomendável
que não tomemos os conceitos e os apliquemos por antecipação,
mas que façamos um esforço para "olhar" e "enxergar"
que tipos de comunidade existem ou estão em formação no
Brasil. Tanto existem novos tipos de comunidades, como persistem
aquelas de base territorial.
Se pararmos um pouco
sobre a realidade brasileira, para além daquilo que preenche,
majoritariamente, os espaços cotidianos dos jornais e das
emissoras de rádio e de televisão, veremos que as pessoas
não são tão simplesmente "objetos" andantes, alienantes,
ou que o individualismo, embora possa ser predominante,
não se constitui enquanto força monolítica.
Em meio a todas contradições
sociais cujo quadro se revela por vezes assustador, por
exemplo a desigualdade social, a violência, o desemprego
etc., também existem esforços para a sua superação ou pelo
menos minimização. Essses esforços são em grande parte canalizados
por forças renovadores ou inovadoras de valores e práticas
sociais de interesse social assumidos por diversos tipos
de atores, sejam eles pessoas individualmente, sejam organizações
e movimentos sociais populares, setores das Igrejas, Organizações
Não Governamentais, escolas, setores de universidades, alguns
órgãos públicos, algumas empresas etc.
Neste contexto desenvolveram-se
elementos de uma nova cultura política, na qual passa a
existir alguma preocupação com o outro. E no âmbito das
referidas organizações, cada um a seu modo e em conformidade
com as demandas e competências, passa a disponibilizar algo
que lhe pertence, seja horas de trabalho, conhecimentos,
recursos, resultados de pesquisas, produtos etc.
Alí desenvolvem-se práticas
coletivas de organização e mobilização popular. Isso demonstra
a existência de uma série de dinâmicas que se aproximam
das características apontados pelos clássicos como inerentes
a uma comunidade, quais sejam: a passagem para ações mais
coletivas, desenvolvem-se processos de interação, a confluência
em torno de ações tendo em vista alguns objetivos comuns,
constituição de identidades culturais em torno do desenvolvimento
de aptidões associativas em prol do interesse coletivo,
participação popular direta e ativa e, maior conscientização
das pessoas sobre a realidade em que estão inseridas.
Essas dimensões de um
trabalho associativo, ou comunitário, que se desenvolve
hoje no Brasil, são indicativos de algumas mudanças na sociedade.
E este tipo de "comunidade" requer uma ação diferenciada
no tocante às relações públicas, por parte das empresas,
sejam privadas ou públicas. Uma pergunta: para esse tipo
de público ainda são suficientes unicamente ações comunicacionais
do tipo unidirecional - da empresa para a comunidade - visando
convencê-la sobre suas presumíveis "boas" qualidades
e intenções?
Certamente que não.
Nesse patamar não bastam campanhas, não bastam enxurradas
de informações, não bastam doações na perspectiva das estratégias
de marketing tradicionais.
Públicos comunitários em Relações Públicas
As observações acima
nos conduzem à necessidade de repensarmos uma série de questões.
Uma delas é a questão do "público em relações públicas".
Em primeiro lugar, a
abordagem tradicional de públicos que os classifica em interno,
misto e externo parece não dar mais conta da realidade.
Os públicos se diversificam, se modificam e requerem estratégias
específicas. E ainda, ao ficarmos presos a referida tipologia
corremos o risco de engessarmos nossas perspectivas de ação,
pois tendemos a não apreciar de modo criativo e aberto suas
particularidades e os reais significados que representam
para a instituição.
Como diz Fábio França
(1998, p.13) "o critério de públicos interno, externo
e misto não satisfaz mais as condições atuais de relacionamentos
das organizações por não abranger todos os públicos de seu
interesse, não defini-los adequadamente, nem precisar o
tipo e a extensão de relacionamento deles com a organização,
nem explicar sua dimensão".
França (1998, p.14)
e propõe que se pense nos públicos a partir do que eles
representam para a organização: a) A contribuição para a
constituição da estrutura organizacional enquanto coesa,
produtiva e competitiva. b) Contribuição para a viabilizar
os negócios fornecendo tecnologia, matéria-prima etc. c)
Aqueles que colaboram e promovem a organização.
Não pretendemos entrar
no mérito de tal classificação, pois queremos tão somente
chamar a atenção para a necessidade de repensar os conceitos
tradicionais de público para podermos pensar "comunidade",
enquanto público de uma organização, nos dias atuais. É
antes de tudo necessário conhecer a realidade onde a instituição
se localiza e estudar suas especificidades, pois dentro
de uma "comunidade" podemos encontrar mais de
um público, ou segmento de público, de interesse para a
organização. A existência de associações comunitárias e
outros movimentos populares organizados, por exemplo, aponta
para a evidência de um segmento diferenciado de público
que vai requerer ações, estratégias e metodologia de trabalho
específicas. Portanto, em princípio há indicações da existência
de pelo menos três segmentos de públicos ao nível comunitário:
aqueles constituídos pelos setores organizados da população,
o universo formado pelos indivíduos um tanto dispersos e
aquele formado por outras instituições sediadas na região.
Desse modo, pensar e
planejar as atividades de relações públicas junto à chamada
"comunidade" implica levar em conta as diferenças,
as expectativas, as demandas, o comportamento de cada segmento,
bem como as perspectivas futuras e os objetivos da própria
instituição. Ou melhor vai depender de como ela se coloca
em sua política de relações públicas.
Por que a grande preocupação com a " comunidade"?
Nos últimos anos falar
de responsabilidade social das empresas virou moda. Nesse
contexto vem acontecendo uma onda de estratégias denominadas
de marketing social, marketing societal, marketing verde
etc. além da implantação ou apoio a projetos comunitários
por parte de empresas.
Na verdade "instala-se
um novo marketing afirmando explicitamente sua
preocupação com os valores, posicionando as marcas e os
produtos sob uma base ética. A hora, diz-se, é do marketique,
do marketing da solidariedade"(Lipovetsky, 1995, p.1).
A inclusão de ingredientes
de cunho social, ou de interesse público, nas estratégias
das empresas nos últimos anos não acontecem por acaso ou
porque as empresas se deram conta de sua responsabilidade
junto à sociedade à qual estão inseridas. Operações desse
tipo são descartadas da lógica dos negócios. Os interesses
de fundo fazem parte de suas estratégias de marketing.
De fato são as mudanças
que vem ocorrendo no conjunto das sociedades que forçam
as organizações reposicionarem suas estratégias de marketing.
O cenário no qual atuam as organizações no mundo atual obrigam
as empresas a modificarem estratégias de gerenciamento.
Entre os vários fatores que provocaram alterações de forma
avassaladora, em síntese, podemos pontuar:
- Globalização dos mercados e com ela a difusão de tecnologias, maior concorrência, o estabelecimento de parcerias (até tecnológica - por exemplo a produção de peças ou componentes de um produto em diferentes países), a difusão de programas do tipo qualidade total e as exigências das Normas da ISO 9000. Tais mecanismos mexem com a questão da qualidade, preço e atendimento que passam a ter que ser adaptados aos interesses e demandas do mercado consumidor.
- Maior participação política do "povo" brasileiro. Com a redemocratização do país há maior circulação de informações. Maior contato com outras culturas através da universalização de meios de comunicação. Mais segmentos sociais conseguem se expressar através da mídia. Maior poder de pressão da opinião pública. Enfim uma opinião pública melhor informada.
- Novos valores culturais incorporados. A relação com o meio ambiente passa a mudar. Se até recentemente, no Brasil, este era um tema difícil de ser emplacado, a situação hoje é diferente. Noções de conservação, proteção e defesa do meio ambiente vão aos poucos e de modo crescente sendo assumidas pelo conjunto da sociedade. É um cenário no qual as Normas da ISO 14000 instituem parâmetros de preservação ecológica e defesa do meio ambiente. O boicote a produtos que causam danos ou a produtos que no processo de manufatura utilizam mão de obra infantil, a exemplo do que ocorre nos países desenvolvidos, passa a fazer sentido no nosso meio. O consumidor está mais exigente e mais consciente. Nesse sentido as leis também tornam-se mais rigorosas. Por exemplo a Lei 8.078, de 11/09/90, de Defesa do Consumidor, e a criação dos PROCONs _ Grupos de defesa do Consumidor, ajudam a criar uma nova mentalidade e a estimular ações concretas de denúncia e reivindicação de direitos do consumidor. Mais segmentos sociais se organizam, a exemplo de movimentos populares e ONGs. Em nível interno das empresas e por força de programas implantados visando maior produtividade e competitividade criam-se mecanismos de participação dos empregados, o que contribui para alterar o sentido das relações das pessoas com o mundo. Os conceitos de cidadania passam a fazer parte da cena e dos bastidores.
Não temos a pretensão
de esgotar os fatores constitutivos de um novo momento histórico.
Queremos apenas evidenciar que em tal conjuntura passa a
exigir mudança de postura e de ação. Para poder sobreviver
e tornar as empresas competitivas, as saídas apontam para
necessidade de modernização de produtos e processos de produção,
agilidade, oferecimento de produtos e serviços de qualidade
comprovada, além da exigência de comportamento ético. Tudo
sem destruir o meio ambiente, adotando procedimentos transparentes
nos negócios e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.
O momento exige que
o estar de uma empresa numa comunidade, numa cidade e num
país não seja apenas para oferecer produtos ou serviços
e um certo número de empregos, usufruindo de benefícios
fiscais, consumindo matéria-prima, energias, força de trabalho
e/ou poluindo o ar e as águas, mas comprometendo-se com
o meio onde está inserida, de forma cidadã. As relações
e ações concretas das empresas com a comunidade podem ir
além do puro objetivo mercadológico. O contexto antes explicitado
indica que passa-se a exigir um compromisso, que
significa mais do que uma eficiente campanha de propaganda,
mais do que um discurso bonito e bem articulado, mais do
que uma boa jogada de marketing.
As mudanças nas sociedades,
ou as demandas da época atual, da chamada era da informação,
sociedade da informação ou da sociedade do conhecimento,
fizeram as empresas perceberem as novas condições em que
operam e a adaptarem suas estratégias mercadológicas.
Como diz Gilles Lipovetsky
(1995, p.4) "nossa época, com efeito, não é mais aquela
em que uma grande empresa podia se considerar como um agente
econômico puro. A grande empresa não vende apenas produtos,
ela deve gerar sua relação com o público, produzir e promover
sua própria legitimidade institucional. E isso a fim de
reforçar sua marca. Se é então verdade que nossa época vê
renascer a temática dos valores, é então mais verdade dizer
que ela vê o triunfo da comunicação empresarial. Uma comunicação
empresarial que hoje, funciona como marketing de valores,
que integra e utiliza a ética como um vetor de relações
públicas e de legitimidade institucional".
A corrida para agregar
valor intangível à marca dando-lhe destaque e legitimidade,
aproveita de fato das condições do momento que demonstram
a simpatia dos consumidores pelas marcas associadas a atitudes
e programas de interesse social, no Brasil, acabam por vezes
a gerar atropelos e inversões que podem ser prejudiciais
à sociedade e à própria empresa, embora, talvez, não a curto
prazo.
Tem-se verificado uma
verdadeira corrida por parte de muitas empresas na associação
de suas marcas a campanhas de defesa do meio ambiente, a
programas de assistência a crianças de rua, portadores de
deficiência, projetos de melhoria da qualidade de vida de
segmentos excluídos da população, programas de preservação
do patrimônio histórico e cultural, entre vários outros.
Mas, há que se ter cuidado, para não se confundir ação comunitária
séria e aquela com caráter de simples assistência, confundir
contribuição para o desenvolvimento social com simples doação,
confundir compromisso institucional com objetivo mercadológico
imediato. Por um lado, apesar das grandes carências e da
aceitação de programas desse tipo, as pessoas têm capacidade
de percepção, acabam fazendo distinções entre compromisso
social e simples intenções mercadológicas.
Porém, que fique claro
que mesmo os programas com preocupação ecológica, melhoria
da qualidade de vida etc., com alto teor ético e compromisso
social autêntico, não surgem, nem são implementados por
uma postura altruísta das empresas. São estratégias mercadológicas
centradas numa visão de futuro. Os interesses de marketing
existem, são legítimos. Mas, percebeu-se que os melhores
ganhos são aqueles que advém quase naturalmente, como decorrência
de uma ação comprometida, séria, duradoura e baseada em
relações de respeito e valorização do outro.
Programas de ação comunitária
não são simples patrocínios, doações. O diferencial da empresa
cidadã vai estar no envolvimento compromissado que ela estabelecer
com este público chamado comunidade.
Relações Públicas com a Comunidade e Responsabilidade Social da Empresa
Na perspectiva aqui
desenvolvida a comunicação é algo de substancial importância,
porém não se encerra nela mesma. Ou seja, é uma comunicação
decorrente e imbricada a outros processos de ação, estratégias,
produtos e atividades concretas. Como diz Lipovetsky (1995,
p.2) "a nova onda do marketing não se limita
às políticas de comunicação: ela incorpora igualmente a
política dos produtos, como prova temos o impulso dos mercados
verdes, os ecoprodutos, as embalagens e condicionamentos
recicláveis, os produtos bio, os motores próprios,
a gasolina sem chumbo etc. Doravante, o marketing quer suscitar
e lançar os produtos respeitosos ao meio ambiente e ao desenvolvimento
planetário, melhorando a qualidade de vida dos homens".
Em se falando de realidade
brasileira a melhoria da qualidade de vida inclui a implantação
e apoio a programas destinados a sanar carências e problemas
advindos das desigualdades sociais, da exclusão de amplos
setores do acesso à riqueza produzida socialmente. É crescente
o número de empresas envolvidas em programas dessa natureza.
Nessa corrente o IBASE
- Instituto Brasileiro de Análise Sociais e Econômicas,
lançou, em 18 de junho de 1997, a proposta de publicação
pelas empresas do Balanço Social. Na Internet verifica-se
uma lista de adesão com o nome de 57 (cinqüenta e sete)
empresas no Brasil, que realizam seus balanços utilizando
um modelo de formulário sugerido pelo IBASE.
Balanço Social "é
um documento publicado anualmente reunindo um conjunto de
informações sobre as atividades desenvolvidas por uma empresa,
em promoção humana e social, dirigidas a seus empregados
e à comunidade onde está inserida. Através dele a empresa
mostra o que faz pelos seus empregados, dependentes e pela
população que recebe sua influência direta"( Sucupira,
1999, p.1). Trata-se pois de um instrumento para medir e
tornar público o exercício da responsabilidade social pelas
empresas públicas e privadas.
Nas palavras do Betinho
(Souza, 1997) "a idéia é demonstrar quantitativa e
qualitativamente o papel desempenhado pelas instituições
no plano social. Isso inclui os aspectos internos e as relações
da empresa com a comunidade local. Vários são os itens de
verificação: educação, saúde, atenção à mulher, preservação
do meio ambiente, contribuições para melhoria da qualidade
de vida e de trabalho dos funcionários, desenvolvimento
de projetos comunitários, erradicação da pobreza, geração
de renda e criação de postos de trabalho".
Mas, o desenvolvimento
de programas comunitários de tal natureza, num cenário de
efervescência e consciência social, deve se pautar por princípios
e diretrizes norteadores, além do emprego de metodologias
de trabalho condizentes.
Em nível de princípios
parece-nos essencial:
- Respeito à comunidade em seus interesses, necessidades e valores, sem subestimar suas capacidades.
- Ver a pessoa como sujeito, como cidadã, e não como objeto.
- Interesse real em contribuir para a melhoria da qualidade de vida no planeta.
Quanto às diretrizes
acreditamos que aquelas elencadas por Maria Aparecida de
Paula e Ana Luísa C. Almeida , a propósito da experiência
junto Alcan Alumínio do Brasil , em Ouro Preto, e à Andrade
Gutierrez, também em Minas Gerais, traduzem o espírito que
devem orientar um trabalho de relações públicas com a comunidade:
- Partir da ótica das pessoas:
- Considerar e respeitar a ótica do público atingido.
- Tornar comuns conceitos, entendimentos e experiências.
- Manter o diálogo com o público, sabendo ouvir anseios e reclamações.
- Nunca ignorar ou minimizar problemas reais causados às pessoas decorrentes da interferência da empresa
- Intencionalidade
O programa só deve ser iniciado se for decisão política dos empreendedores e houver o comprometimento por parte deles.
- Agilidade
Agir com rapidez e senso de oportunidade no retorno às reivindicações evitando rumores e mal-entendidos.
- Continuidade e permanência
Programas não devem ser interrompidos para não perderem a credibilidade. A relação com as pessoas é direta e cotidiana, evitando ações isoladas.
- Unidade e tratamento personalizado
A abordagem de comunicação deve ter um eixo que lhe
assegure unidade, além de sintonia com a ótica da comunidade,
além de dispensar tratamento diferenciado aos grupos
procurando tratar caso a caso (Paula & Almeida,
1998, p.218-219).
Relações públicas com
a comunidade nos novos tempos implica um redirecionamento
metodológico. Muda a metodologia de trabalho porque muda
o sentido da ação. A lógica da ação unidirecional, autoritária
e de cunho propagandistico passa a não ser mais adequada
nem aceita pelos públicos.
Como já disse Margarida
M. Krohling Kunsch, em 1984, "com relação à comunidade,
o profissional de relações públicas deve participar como
agente que saiba encarar os problemas, as necessidades e
as controvérsias com sinceridade, sem querer fazer somente
imagem positiva da instituição que representa,
descompromissado e alienado da realidade social que enfrenta.
É preciso deixar de lado essa tendência de querer utilizar
as relações públicas para enganar. Se a empresa
está fazendo qualquer coisa que prejudica a comunidade,
é necessário, antes de mais nada, que ela providencie medidas
técnicas para sanar o problema"... (1984, p. 134).
Como também não basta
tomar as medidas técnicas e depois comunicá-las ao público.
Às vezes as medidas devem ser discutidas com o público,
além da necessidade de contato contínuo baseado no respeito
e na disposição de corresponder as demandas dos públicos.
Atitudes empresariais
desse nível traduzem posturas de um estágio mais avançado
em termos de concepção de relações públicas. Corresponderia
ao modelo "simétrico de duas mãos", a "visão
mais moderna de relações públicas, em que há uma busca de
equilíbrio entre os interesses da organização e dos públicos
envolvidos. Baseia-se em pesquisa e utiliza a comunicação
para administrar conflitos e melhorar o entendimento com
os públicos estratégicos. Portanto, a ênfase está mais nos
públicos prioritários do que na mídia " (Grunig, James
e Hunt, Told, apud Kunsch, 1997, p.110-111).
Por outro lado, queremos
retomar o sentido metodológico de ações de natureza filantrópica
que também devem ser planejadas a partir dos princípios
de uma educação informal que procura favorecer a auto-promoção
das pessoas e de seu crescimento enquanto cidadãs. Faz parte
desse modo de atuação a não implantação de programas assistencialistas,
ou de doações que visem tornar o outro cada vez mais dependente
e submisso. Tudo isso porque o momento exige que as empresas
privadas e públicas, além das demais organizações, contribuam
para a solução dos graves problemas sociais, deixando de
atribuir tal responsabilidade apenas ao Estado.
Assim como o conceito
de cidadania é histórico, ou seja muda no tempo e no espaço.
O conceito de empresa-cidadã também o é. Embora tardiamente,
já chegou no Brasil. Empresa-cidadã é aquela que cumpre
sua responsabilidade social, que também é histórica.
O conceito de empresa-cidadã,
que cumpre sua responsabilidade social, abrange a obrigação
de:
- Pagar os impostos devidos.
- Cumprir contratos com empregados, clientes, fornecedores etc.
- Oferecer produtos / serviços de qualidade e adequados. No mínimo não provocar danos.
- Respeito às leis.
- Voltar-se para o desenvolvimento: Prosperar... reinvestir na produção. Re-investimento esse também chamado de destinação social do lucro.
- Não ser predadora do meio ambiente.
- Respeito e proteção ao eco-sistema.
- Colaborar pela melhoria das condições de vida dos empregados e suas famílias. Em outras palavras significa pagar salários dignos e justos. A melhoria das condições de vida começa pelos salários pagos e pelas condições que cercam otrabalho. Além das garantias do emprego. Com um salário "de fome", como se diz popularmente, como morar bem, comer adequadamente, sustentar os filhos na escola etc.?
- Filantropia: contribuir com recursos para melhorar a qualidade de vida
- Contribuir para a melhoria das condições de vida sim, mas para além da filantropia ou da doação como forma de tirar um peso da consciência: estabelecer compromisso com a auto-promoção humana, com o desenvolvimento da cidadania e com a vida no planeta terra.
Pelas aspectos colocados
acima, principalmente das letras a até j, poderíamos dizer:
como chamar isso de responsabilidade social se de fato são
obrigações de qualquer empresa? O quadro é este. O desrespeito
à natureza, os baixos salários, a qualidade péssima de determinados
produtos (o prédio que cai, o remédio que não cura etc.)
tem sido tão aberrantes, as ações anti-éticas tem sido tão
freqüentes demonstrando que nem as obrigações básicas vem
sido cumpridas pela maioria das empresas. Algumas empresas
dizem: pagamos x milhões em impostos. Nada mais do que a
obrigação, e isso não as redime de maus tratos ao eco-sistema,
nem as dispensa de outras responsabilidades sociais.
Exigir o cumprimento
da responsabilidade social das empresas é apenas querer
que seja ética e responsável. E como as necessidades dos
povos são históricas, acrescentamos o item da letra k pois
condiz com as aspirações e valores de uma época, no Brasil.
Os raciocínios aqui
desenvolvidos não são fruto de sonhos ou idéias traçadas
em gabinetes, mas condizem com mudanças reais na sociedade.
Mudanças que não são predominantes ou melhor não atingem
a maioria das organizações, mas se fazem presentes. Além
do exemplo do Balanço Social já assumido por muitas empresas,
tomemos o caso do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade
Social.
O Instituto Ethos, em
folheto de divulgação, se apresenta como uma "associação
de empresas que buscam o sucesso econômico sustentável a
longo prazo procurando adotar um comportamento socialmente
responsável". Diz ainda que é "fundamental que
exista uma consciência global que engaje todos num processo
de desenvolvimento que coloque como meta a preservação do
meio ambiente, do patrimônio cultural, a promoção dos direitos
humanos, e a construção de uma sociedade economicamente
próspera e socialmente justa".
Sua missão é disseminar
a prática da responsabilidade social empresarial, ajudando
as empresas a:
- Compreender e incorporar de forma progressiva o conceito
do comportamento empresarial socialmente responsável.
- Implementar políticas e práticas que atendem a elevados
critérios éticos, contribuindo para alcançar sucesso econômico
sustentável a longo prazo;
- Assumir suas responsabilidades com todos aqueles que
são impactados por suas atividades.
- Demonstrar aos seus acionistas a relevância de um comportamento
socialmente responsável para retorno a longo prazo sobre
seus investimentos.
- Identificar as formas inovadoras e eficazes de atuar
em parceria com as comunidades na construção do bem-estar
comum.
- Prosperar, contribuindo para o desenvolvimento social,
econômico e ambiental sustentável.
Algumas das justificativas
que o Instituto Ethos apresenta na tentativa de cativar
as empresas a se associarem ao mesmo são: "Pesquisas
recentes feitas nos Estados Unidos apontam números impressionantes:
68% dos jovens optariam por trabalhar em alguma empresa
que tivesse algum projeto social e nada menos do que 76%
dos consumidores preferem marcas e produtos envolvidos com
algum tipo de ação social. (...) Outras pesquisas estão
mostrando que os consumidores, ao escolher um produto ou
serviço, estão dando cada vez mais importância à postura
da empresa em relação ao meio ambiente, ao respeito que
ela demonstra às leis e aos direitos humanos e aos investimentos
que ela efetua para melhorar a vida da comunidade. Felizmente,
a responsabilidade social passou a ser fator de sucesso
para as empresas" (folheto de divulgação do Ethos).
No site do Instituto
Ethos (http://www.ethos.org.br) constam os nomes das empresas
associadas, num total de 129 (cento e vinte nove), entre
bancos, indústrias automobilísticas, meios de comunicação
de massa, produtos alimentícios, fabricante de eletrodoméstico,
empresas de serviços, cosméticos etc. É de conhecimento
e reconhecimento público também o trabalho em prol da cidadania
desenvolvido por inúmeras organizações civis, entre elas
as fundações, como por exemplo a Fundação Abrinq pelos Direitos
da Criança, Fundação Bradesco e a Fundação O Boticário de
Proteção a Natureza. Essa última expressa textualmente a
"convicção [da diretoria do grupo] de que os compromissos
básicos de uma empresa não se esgotam no mero cumprimento
das leis, no exercício de produzir com qualidade, na atualização
tecnológica ou na ética aplicada no relacionamento com os
consumidores. Esses compromissos, de acordo com o pensamento
individual e a cultura da organização como um todo, alcançam
também aspectos extra-empresariais, envolvendo atitudes
objetivas em favor da dignidade do homem e do necessário
equilíbrio que se impõe na relação das pessoas com a natureza"(em
folheto de divulgação).
Na perspectiva aqui
desenvolvida a chamada "ação comunitária" vai
além, ou deveria ir além, de uma simples noção de patrocínio,
de doação ou de pintar-se de verde.
Diz respeito a um compromisso
sério que as instituições podem ter com a sociedade, apesar
dos interesses empresariais envolvidos. No entanto, mesmo
que contrarie nossos interesses, temos que perceber que
trata-se de questão de sobrevivência a longo prazo. No fundo
é uma estratégia mercadológica, mas também de interesse
de classe, das dominantes, no caso. Na essência trata-se
de garantir a produção e reprodução das condições necessárias
para a reprodução do tipo de estrutura de sociedade, do
tipo de relação entre as classes sociais e do próprio modo
de produção capitalista. Em outras palavras: para o capitalismo
se reproduzir precisa encontrar um "clima" que
lhe seja favorável. A colaboração das empresas com a educação?
O desenvolvimento econômico necessita de mão-de-obra qualificada.
Ao tentar corresponder aos anseios gerais da sociedade (por
exemplo evitando destruir o meio ambiente, colaborando para
solucionar problemas sociais) está procurando criar condições
para que isso ocorra. O contrário (agravamento da pobreza,
por exemplo), pode gerar tensões e conflitos de dimensões
imprevisíveis. No entanto, uma população com suas necessidades
essenciais satisfeitas tende a estar mais satisfeita, e
os trabalhadores mais motivados para produzir, o que contribui
para aumentar a produtividade e a eficiência no trabalho.
Por outro lado, a superação da pobreza e a melhoria das
condições de existência também são de interesse dos pobres.
As pessoas desejam e merecem "melhorar de vida",
terem acesso à educação etc. Portanto, a relação é conflituosa.
Mas, apesar dos conflitos e de certos interesses serem antagônicos,
há que se reconhecer como válidas aquelas ações que beneficiem
a pessoa e demais formas de vida no planeta.
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* Cicília M. Krohling Peruzzo é professora
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
Social da UMESP, doutora em Comunicação Social
pela USP e presidente da INTERCOM - Sociedade Brasileira
de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.