Volume 2
Número 3

20 de dezembro de 2005
 
 * Edição atual    
Documento sem título

          Por uma comunicação estratégica e cidadã

          O discurso é sempre o mesmo: a comunicação é estratégica e os executivos de comunicação das nossas organizações participam ativamente do processo de tomada de decisões.

          À primeira vista, parece que faz sentido. Pesquisa realizada pelo Instituto Databerje revela que, em quase 50% das empresas consultadas, os profissionais de comunicação ocupam cargos de diretor, superintendente ou gerente. Ou seja, estão no alto escalão das organizações. Mas a conclusão não é tão óbvia assim como parece.

          Em primeiro lugar, no caso específico da pesquisa do Databerje, a amostra não é representativa do universo brasileiro, não só quantitativamente (foram ouvidas menos de 120 empresas, provavelmente entre as associadas da Aberje), mas qualitativamente (certamente, as grandes empresas). Qualquer pessoa, com conhecimento mínimo de estatística, não saudaria ou pelo menos não generalizaria os resultados de uma pesquisa com este perfil e esta amplitude.

          Em segundo lugar, ocupar cargo não significa tomar decisão. Mesmo presidentes de subsidiárias de empresas multinacionais no Brasil mandam pouco quando se trata de decisões realmente estratégicas e se curvam às decisões da matriz. Em muitas delas, não conseguem ao menos manter os seus próprios cargos: só para citar um caso, a AVON Cosméticos trocou de presidente muitas vezes durante a última década e o fato se repete com facilidade no mercado. Está claro que, quando se trata de decidir mesmo, falam os que efetivamente mandam nas organizações.

          Em terceiro lugar, se é verdade que os profissionais de comunicação estão mesmo decidindo alguma coisa, em nome da ética e da responsabilidade social, então , em muitos casos, talvez fosse melhor retirá-los de lá, já que muitas organizações ditas de prestígio têm, sistematicamente, afrontado a cidadania. Os profissionais de comunicação da indústria de bebidas alcoólicas e de cigarros, chamadas de drogas lícitas, continuam manipulando a opinião pública, com sua comunicação cínica, estimulando o consumo que penaliza (no caso da indústria tabagista mata centenas de milhares de brasileiros por ano) os cidadãos.

          Podemos citar ainda a ética do Zeca Pagodinho, que tem inúmeros adeptos entre as principais organizações, a falta de democracia interna, a não transparência etc, observada exatamente nas principais empresas do mercado, aquelas cujos executivos costumam proclamar a sua comunicação estratégica. São as mesmas empresas que freqüentam o ranking de desrespeito ao consumidor, como as operadoras de telefonia, eternas "amigas" do Procon e do IDEC. A imprensa divulgou, em 2005, notícias tristes sobre trabalho escravo na Telemar, sobre a proibição de venda de Coca-Cola na Universidade de Michigan por razões éticas, sobre a propina da Monsanto na Indonésia, sobre a condenação da Claro por controlar o tempo de seus funcionários nos banheiros e por aí vai).

          Comunicação estratégica, a nosso ver, deveria ter compromissos que extrapolassem a mera obtenção de resultados: não se trata apenas de vender mais cervejas ou remédios ou de contaminar o solo com mais agrotóxicos.

          Se os nossos profissionais de comunicação, os estratégicos, continuam trabalhando neste sentido, talvez não seja mesmo o caso de festejar.

          No fundo, a comunicação está ainda longe de ser estratégica nas organizações e muitos profissionais de comunicação (é evidente que há exceções) só foram guindados a postos de alto escalão simplesmente porque se mostram competentes para planejarem ou executarem aquilo que é decidido em outras instâncias, quase sempre apenas para aumentar os lucros das empresas.

          Queremos e temos que batalhar por uma comunicação estratégica e ética, cidadã. Nas empresas públicas e privadas, nas organizações do Terceiro Setor, em todo lugar. Gente mal intencionada em cargos elevados não é bom para a comunicação e muito menos para a sociedade. Seria o caso de perguntar: é essa perspectiva estratégica que devemos cultivar?

 

 
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