|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
*
Edição atual |
Documento sem título
|
|
Por
uma comunicação estratégica e cidadã
O
discurso é sempre o mesmo: a comunicação
é estratégica e os executivos de comunicação
das nossas organizações participam ativamente do
processo de tomada de decisões.
À
primeira vista, parece que faz sentido. Pesquisa realizada pelo
Instituto Databerje revela que, em quase 50% das empresas consultadas,
os profissionais de comunicação ocupam cargos de
diretor, superintendente ou gerente. Ou seja, estão no
alto escalão das organizações. Mas a conclusão
não é tão óbvia assim como parece.
Em
primeiro lugar, no caso específico da pesquisa do Databerje,
a amostra não é representativa do universo brasileiro,
não só quantitativamente (foram ouvidas menos de
120 empresas, provavelmente entre as associadas da Aberje), mas
qualitativamente (certamente, as grandes empresas). Qualquer pessoa,
com conhecimento mínimo de estatística, não
saudaria ou pelo menos não generalizaria os resultados
de uma pesquisa com este perfil e esta amplitude.
Em
segundo lugar, ocupar cargo não significa tomar decisão.
Mesmo presidentes de subsidiárias de empresas multinacionais
no Brasil mandam pouco quando se trata de decisões realmente
estratégicas e se curvam às decisões da matriz.
Em muitas delas, não conseguem ao menos manter os seus
próprios cargos: só para citar um caso, a AVON Cosméticos
trocou de presidente muitas vezes durante a última década
e o fato se repete com facilidade no mercado. Está claro
que, quando se trata de decidir mesmo, falam os que efetivamente
mandam nas organizações.
Em
terceiro lugar, se é verdade que os profissionais de comunicação
estão mesmo decidindo alguma coisa, em nome da ética
e da responsabilidade social, então , em muitos casos,
talvez fosse melhor retirá-los de lá, já
que muitas organizações ditas de prestígio
têm, sistematicamente, afrontado a cidadania. Os profissionais
de comunicação da indústria de bebidas alcoólicas
e de cigarros, chamadas de drogas lícitas, continuam manipulando
a opinião pública, com sua comunicação
cínica, estimulando o consumo que penaliza (no caso da
indústria tabagista mata centenas de milhares de brasileiros
por ano) os cidadãos.
Podemos
citar ainda a ética do Zeca Pagodinho, que tem inúmeros
adeptos entre as principais organizações, a falta
de democracia interna, a não transparência etc, observada
exatamente nas principais empresas do mercado, aquelas cujos executivos
costumam proclamar a sua comunicação estratégica.
São as mesmas empresas que freqüentam o ranking de
desrespeito ao consumidor, como as operadoras de telefonia, eternas
"amigas" do Procon e do IDEC. A imprensa divulgou, em
2005, notícias tristes sobre trabalho escravo na Telemar,
sobre a proibição de venda de Coca-Cola na Universidade
de Michigan por razões éticas, sobre a propina da
Monsanto na Indonésia, sobre a condenação
da Claro por controlar o tempo de seus funcionários nos
banheiros e por aí vai).
Comunicação
estratégica, a nosso ver, deveria ter compromissos que
extrapolassem a mera obtenção de resultados: não
se trata apenas de vender mais cervejas ou remédios ou
de contaminar o solo com mais agrotóxicos.
Se
os nossos profissionais de comunicação, os estratégicos,
continuam trabalhando neste sentido, talvez não seja mesmo
o caso de festejar.
No
fundo, a comunicação está ainda longe de
ser estratégica nas organizações e muitos
profissionais de comunicação (é evidente
que há exceções) só foram guindados
a postos de alto escalão simplesmente porque se mostram
competentes para planejarem ou executarem aquilo que é
decidido em outras instâncias, quase sempre apenas para
aumentar os lucros das empresas.
Queremos
e temos que batalhar por uma comunicação estratégica
e ética, cidadã. Nas empresas públicas e
privadas, nas organizações do Terceiro Setor, em
todo lugar. Gente mal intencionada em cargos elevados não
é bom para a comunicação e muito menos para
a sociedade. Seria o caso de perguntar: é essa perspectiva
estratégica que devemos cultivar?
|