Wilson da Costa Bueno*
É fato indiscutível
que a universidade brasileira não pratica uma cultura
de comunicação, ou seja, ela, de maneira geral,
não assume o exercício da comunicação
como estratégico e, em consequência, não
está capacitada para acessar ou ser acessada por
muitos de seus públicos de interesse.
Certamente, esta realidade
tem a ver com os sistemas de gestão que tipificam
as nossas instituições universitárias
que, com raras exceções, adotam um processo
de decisão centralizado, em que não há
espaço para o diálogo ou para a chamada administração
participativa.
Os diversos segmentos
que compõem a estrutura da universidade - docentes,
funcionários e alunos - quase sempre restringem o
seu contato às instâncias burocráticas
ou operacionais que legitimam seus papéis e funções,
sem buscar, por falta de mecanismos facilitadores, uma maior
interação.
Mesmo nos casos em que
o contato se realiza, não se pode caracterizá-lo
como um momento efetivo de comunicação. O
processo ensino-aprendizagem repete ainda o modelo tradicional
de mera transmissão de informações
e circunscreve-se às paredes das salas de aula. O
contato entre alunos e funcionários está limitado
à busca de solução para questões
administrativas (notas, frequências, matrículas,
pagamento de mensalidades), que, na maioria das vezes, em
virtude da infra-estrutura precária de atendimento,
resvala mais para o confronto e a incompreensão do
que para um autêntico relacionamento. A não
existência de uma cultura de comunicação
acaba imprimindo às relações uma componente
estritamente impessoal e burocrática, impedindo que
cada um destes segmentos se comprometa com os demais. Desta
forma, a universidade, global ou setorialmente, não
se comunica.
Evidentemente, isso
não significa que a universidade não desenvolva
ações isoladas de comunicação.
O número de eventos promovidos pelas nossas instituições
universitárias é significativo e abrange as
inúmeras áreas do conhecimento. Muitas instituições
privadas têm se mostrado, inclusive, arrojadas em
suas campanhas publicitárias, ainda que limitadas
ao período pré-vestibular. Algumas universidades
públicas, federais ou estaduais, dispõem de
estruturas de comunicação, editam periódicos
(jornais, revistas ou boletins) e mantém um fluxo
regular de informações com os meios de comunicação.
Há que se considerar,
no entanto, que tais ações de comunicação,
embora gerem resultados parciais e localizados, não
configuram uma autêntica cultura de comunicação.
Na verdade, uma cultura
de comunicação se define exatamente por uma
prática que extrapola a mera sobreposição
de atividades isoladas. Ela está legitimada pela
consciência, comum a todos os níveis da organização,
de que é necessário manter relacionamentos
saudáveis e produtivos e de que a tarefa de comunicar
não é exclusiva das estruturas profissionalizadas
de comunicação.
Em uma organização
que prima por uma autêntica cultura de comunicação,
todos os seus integrantes se sentem envolvidos com ela e
almejam, apesar das diferenças ou mesmo das oposições,
o desenvolvimento pessoal ou institucional.
Nas organizações
modernas, a comunicação permeia todos os níveis
e é um compromisso compartilhado por todos. Fica
claro que esta não é a situação
das universidades brasileiras, devido a uma série
de motivos que passaremos agora a relatar.
Uma visão instrumental e fragmentada
A maioria dos dirigentes
das nossas universidades enxerga a comunicação
sob uma perspectiva meramente instrumental. A ausência
de uma visão estratégica não permite
que a comunicação flua com facilidade entre
os vários segmentos da universidade - direção
(reitoria), corpo docente, corpo discente, funcionários
- e há obstáculos também importantes
no relacionamento entre a universidade e a sociedade.
Embora, em muitos casos,
o discurso oficial pareça inserir a comunicação
como uma de suas prioridades, na prática, as instituições
universitárias relegam-na a um plano inferior. Julgam-na,
quando muito, útil, mas, dificilmente, estratégica;
portanto não a incorporam em seu planejamento e a
ela destinam recursos (humanos e materiais) insuficientes
para dar conta das funções que ela deve obrigatoriamente
desempenhar.
Da mesma forma, ela
se viabiliza a partir de atividades fragmentadas, nas quais
muitas vezes não há, ao menos, uma visão
concreta do público-alvo, o que representa desperdício
de recursos e reduzida eficácia.
A perspectiva adequada
seria a de encarar a comunicação como fundamental
e assumir o conceito moderno de comunicação
integrada, gerida a partir de uma política global
de comunicação. Ao contrário das empresas
privadas, no entanto, as instituições universitárias
ainda não caminharam neste sentido e tem-se ressentido,
por causa disso, de legitimidade. De maneira geral, elas
encontram dificuldade para se justificar perante diversos
segmentos sociais, que as julgam elitistas, improdutivas
e autoritárias.
Uma atividade tutelada
A visão instrumental
de comunicação, que a rebaixa no conjunto
das prioridades definidas pelas instituições
universitárias, resulta, também, na ausência
de estruturas profissionalizadas e com participação
efetiva no processo de tomada de decisões.
Ainda que, em boa parte
delas, a área de comunicação esteja
sob a responsabilidade de profissionais de reconhecida competência
falta-lhes autonomia para traçar diretrizes e estabelecer
planos de ação. Ocorre que, com poucas exceções,
esta área está atrelada de tal forma à
estrutura de poder da universidade que vive permanentemente
sob tutela (ou censura, em alguns casos), o que lhes retira
a agilidade para responder às demandas de informação/comunicação.
Fica evidente para os que acessam a universidade que a área
de comunicação não passa de um mero
apêndice desta estrutura de poder e que, na maioria
dos casos, atende mais a interesses pessoais do que institucionais.
Não é raro associar-se à figura do
coordenador/assessor de comunicação o papel
de chefe de gabinete, ou seja, de alguém mais comprometido
com o reitor do que com a própria instituição.
Em boa parte das vezes, ele é antes um elemento de
confiança do reitor ou da direção que
um profissional a serviço da instituição
e tende a abandonar as suas funções, quando,
por exemplo, o reitor é substituído. Por ser,
então, um cargo preenchido por decisões pessoais
e políticas, ele se atrela a uma visão de
curto prazo. Este fato pode explicar a descontinuidade dos
programas de comunicação das nossas universidades,
sobretudo as públicas.
Além disso, a
área de comunicação está, quase
sempre, subdimensionada, em termos de recursos humanos e
materiais, sendo incapaz de colocar em prática as
inúmeras atividades requeridas pela instituição
para o desempenho das suas vertentes de ensino, pesquisa
e extensão. Nem sempre, ainda, os profissionais que
integram esta área tem um perfil abrangente ou comungam
com a perspectiva moderna de comunicação como
insumo estratégico, atuando mais como tarefeiros
do que como executivos de comunicação.
A falta de definição
de uma carreira para o profissional de comunicação
nas universidades acaba fazendo com que ela ou recrute colaboradores
no seu próprio quadro docente (geralmente dos cursos
de comunicação) ou lance mão de estagiários,
a baixo custo. Em ambos os casos, a idéia que vigora
é reduzir despesas, mesmo porque elas não
estão previstas no orçamento. No primeiro
caso, o profissional, que é também docente,
encontra dificuldade para conciliar as duas tarefas, ambas
importantes. No segundo caso, a falta de experiência
dos estagiários sinaliza para a improvisação
e o amadorismo. Acresce-se a isso o fato de que a escolha
do profissional, nas universidades públicas, pode,
muitas vezes, ter uma inspiração pessoal ou
política, com prejuízo da competência.
A situação se repete nas universidades privadas,
com um agravante: por se constituírem em empresas
familiares, muitas vezes a coordenaria/assessoria de comunicação/marketing
é reservada a pessoas próximas da direção
(parentes do reitor, dos diretores ou seus afilhados).
Boca grande, orelha pequena
A maioria das nossas
universidades está preparada mais para falar do que
para ouvir, ou seja, por uma distorção inerente
à sua perspectiva de comunicação, elas
desempenham mais o papel de transmissoras de informações
do que de captadoras das demandas dos diferentes públicos
de interesse. Este fato tem estreita relação
com a cultura universitária brasileira, marcada pelo
individualismo, pela arrogância, pelo corporativismo,
pela falta de sensibilidade para com os problemas nacionais
e pelos preconceitos com relação a possíveis
parceiros que se situam fora do ambiente universitário.
Uma instituição
que vislumbra os demais setores da sociedade com superioridade
e que, em geral, só consegue eleger os seus próprios
problemas como prioritários, com certeza, não
está disposta a ouvir. Por isso, está longe
de praticar a comunicação autêntica,
porque essa pressupõe horizontalidade entre os interlocutores.
Não é
por outro motivo que a "comunicação"
da universidade brasileira se restringe a duas modalidades:
a científica, exercida exclusivamente entre os pesquisadores
e seus pares, e a burocrática, pautada por normas
e regulamentos, expressão do oficialismo administrativo.
Também se justifica
a partir deste fato a não priorização,
pela universidade, do esforço de divulgação,
que representa, em última instância, a democratização
do saber.
A universidade brasileira
não valoriza o trabalho de seus docentes, que se
voltam para o relacionamento com a sociedade, por não
reconhecê-lo como uma de suas funções
primordiais. Também o descrendencia por comparação
com outras atividades, taxando-o de produção
menor. Sabidamente, aos olhos da universidade brasileira
e das instituições de fomento, a produção
de livros didáticos ou de artigos de divulgação
é vista com preconceito, enquanto se sobrevaloriza
o trabalho acadêmico. Na moeda da comunicação
universitária brasileira, um artigo publicado em
uma revista internacional indexada vale mais do que uma
centena de bons artigos de divulgação veiculados
em periódicos de informação geral brasileiros.
Certamente, as dificuldades
enfrentadas pelas nossas universidades (esta reflexão
vale também para os nossos institutos de pesquisa
na obtenção de recursos cada vez mais escassos,
seja pela conjuntura econômica brasileira e internacional,
seja pelo obscurantismo dos nossos governantes que não
conseguem vislumbrar a relação entre C &
T e desenvolvimento, acabarão por levá-las
a uma autocrítica. Estabelecer parcerias com o setor
privado e buscar legitimação junto à
sociedade deixarão de ser propostas alternativas
para nossas instituições universitárias
para se constituírem em estratégias obrigatórias
para a sua sobrevivência.
Se a universidade se
dispõe (ou é obrigada) a estabelecer novos
vínculos com a sociedade, então ela precisa
redimensionar o seu perfil comunicacional. Isso implica
atribuir nova escala de valores ao trabalho de interação
com os seus distintos públicos de interesse e priorizar
os relacionamentos. Sem perder os seus objetivos básicos
- pesquisa, ensino e extensão - precisa capacitar-se
para exercê-los plenamente a partir de uma nova proposta
de comunicação, que privilegie a transparência,
o diálogo, o compartilhar do saber e a responsabilidade
social.
Num mundo globalizado,
é indispensável que a universidade brasileira
estabeleça novas fronteiras para o seu relacionamento
com a sociedade, descartando, sobretudo, a sua posição
isolacionista. A academia não pode restringir seus
esforços de comunicação às publicações
científicas (ainda que prioritárias e fundamentais),
sob pena de perder legitimidade.
O mundo existe além
dos campi e a universidade deve participar dele. A universidade
deve rever sua postura de encastelamento e comunicar mais
e melhor. Para tanto, ela deverá capacitar-se, despir-se
de preconceitos e abrir-se para um debate franco com a sociedade.
O novo milênio não poupará as organizações,
entre as quais as universidades, que, com prepotência,
derem as costas às demandas sociais legítimas
e que não se dispuserem ao trabalho de resgatar a
cidadania. Para a universidade brasileira, isso significa
buscar a comunhão de interesses, colocando a sua
competência a serviço da maioria.
Desenvolver uma cultura
de comunicação que estimule o comprometimento
e a responsabilidade, que extrapole o mundo dos sábios
e se debruce sobre as aspirações e as expectativas
do cidadão comum. No fundo, é este é
o papel que esperamos da universidade dos nossos dias, mas
que será compulsório na universidade do século
XXI.
OBS: Comunicação apresentada em Seminário
sobre Comunicação e Universidade, realizado
na USP, em novembro de 1.998.
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* Wilson da Costa Bueno é professor do curso de
pós-graduação em Comuncação
Social da UMESP , professor de Jornalismo da USP e diretor
da Comtexto Comunicação e Pesquisa.